Exercício de Sobrevivência


Reunir cerca de 200 funcionários públicos na platéia de um teatro para assistir um grupo de, também, funcionários públicos no palco já é uma tarefa, no mínimo, complicada. Mantê-los duas horas e 20 minutos, com um atraso, de, pelo menos, uma hora, é um feito! Hair – Os Sobreviventes conseguiu isto.
Eles permaneceram pacientemente em seus lugares e foram acompanhando , com olhos de criança, o que o destino reservou para um grupo de jovens que um dia pretendeu montar o musical Hair (James Rado / Gerome Ragni – 1967) e foram impedidos pela Ditadura Militar, que escreveu as mais negras linhas que a história deste país já teve.O texto inédito de Thiago e Lidia Fernandes teve como fonte o conto “Os Sobreviventes”, de Caio Fernando Abreu. Então, nesse clima o-que-foi-feito-de-nós lhes foram apresentados os personagens, vítimas do desaparecimento da diretora da companhia de teatro, que se reúnem após décadas de separação. Tipos que viram seus sonhos interrompidos nos idos de seus vinte e poucos anos − a mesma idade do autor da peça − e que tiveram suas trajetórias de vida redirecionadas a partir daí.A trama complexa, que envolve passado e presente no espaço cênico, foi desenvolvida com extrema maturidade. Diálogos que revestiam de comicidade o trágico foram magistralmente interpretados por atores oficialmente amadores. O repertório musical pinçou pérolas do cancioneiro nacional da virada dos anos 60 para 70 e ganhou arranjos de Janjão Sanches que deram um tom de contemporaneidade às canções. O espetáculo apresentou uma coreografia de Alan Castilho digna da Broadway, que exigiu a quebra de barreiras do estático para o móvel dessas pessoas não ligadas ao mundo da dança.Independentemente do nível de dedicação e de, evidentemente, talento, todos estiveram bem dentro de seus personagens e cumpriram suas tarefas. Mas, quando tudo parecia no melhor da ordem, uma pane no sistema de energia, deixou inoperantes temporariamente som e luz. Em cena, o casal apaixonado questiona a sobrevivência e o futuro de sua relação. Na sequência, um dueto musical dos mais difíceis por sua sutileza de nuances melódicas.
Neste momento, mesmo na total ignorância, o público presente foi contemplado com um exemplo de superação explícita, que apenas quem participou do desenvolvimento dos trabalhos é capaz de avaliar. Os atores, como que impregnados das bênçãos de Dionísio, prosseguiram em suas falas e música atingindo, vez por todas, o tão perseguido momento de perfeição. Foram eles protagonistas do drama dentro do drama que torna possível transformar o cotidiano em Arte.

Sobreviveram. Sobrevivemos.

Comentários

  1. Belo texto, Claudinha! É exatemente isso que arte pode nos oferecer: a possibilidade de ver o resultado da dedicação e o envolvimento de todos em um projeto que se imaginava apenas dar certo. Não só deu certo, como uniu atores e amadores com determinação, quebrou barreiras,sensibilizou a platéia e pode ainda conquistar o mundo. Parabéns a você que realiza mais um sonho e a galera toda que está fazendo tudo isso acontecer. Beijooooooo

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  2. Querida Alminha, o mério é todo deles. Eu só enfeito e conto a história, mas a garra de seguir em frente é da turminha do expediente duplo que supera todo tipo de limitação. O prórpio Programa existe de teimoso e persiste pelo amor das pessoas pelo que fazem. Só fui contaminada.

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  3. Siiiiiiiiiiiimmmmmmmmmmmmmmmmm... isto sim é sinergia de uma equipe para a construção de um belo trabalho... digno de tietagem em fotos...
    mesmo não jornalísticas... digamos, de efeito emocional feitas com o coração de quem se surpreende a cada momento com a qualidade
    produzida e o reconhecimento de pares tão talentosos... Parabéns pelo cenário que acolheu o tema e nos fez viajar no tempo... a assim foram todos, em suas representações... lindo de morrer... quero continuar segurando
    a cortina... que por vezes me sustenta, quando as pernas bambeiam entre choros de emoção e reflexão... Parabéns enfim, pelo
    texto... pela montagem e direção... pela realização do grupo maravilhoso...
    Avante!!! Sempre Avante!!! Obrigada por testemunhar o trabalho... e que trabalho... Ass. A tiete Silvia.

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  4. Silvinha, aquela que se materializa nos momentos mais oportunos. Vc não é apenas tiete, é nosso anjo da guarda. Quando precisamos de vc, pronto. Logo está lá nos carregando no colo. Sintonia, sinergia, tenha o nome que tiver. So rezo pra ter forças pra carregar o peso da camiseta que vc passou pra mim!!!!!

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